quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Somos todos prisioneiros


Nessa semana, o Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso, ao falar sobre o Sistema Prisional Brasileiro, declarou que preferiria morrer ao cumprir uma longa pena em nosso sistema. Declaração polêmica, que me fez abrir novamente um livro que, há tempos, se encontrava empoeirado em minha estante, o meu TCC.
Quando cursava serviço social na UNESP Franca, fiz estágio no Centro Jurídico Social, unidade auxiliar na qual, estudantes de direito e serviço social, prestavam assistência sociojurídica aos presos do município e às suas famílias.
Eu trabalhava com a orientação e triagem dos presos que tinham direito ao benefício Auxílio Reclusão, e acompanhava suas famílias nos tramites para acessar o benefício. Esse trabalho despertou em mim um interesse muito grande sobre esse universo obscuro que é o sistema prisional brasileiro. A primeira dificuldade que encontrei em desenvolver esse trabalho, foi lidar com a indignação das pessoas que achavam simplesmente um absurdo, o preso “receber um benefício por estar preso” e se disseminavam pelas redes sociais, uma série de mentiras absurdas sobre a concessão do benefício, com o objetivo de incitar a população.  
O Auxílio Reclusão é um benefício previdenciário, garantido a família do preso de baixa renda, segurado pelo INSS, ou seja, o indivíduo tinha que estar contribuindo antes da prisão, para que sua família possa fazer jus ao benefício. O Auxilio Reclusão está embasado no princípio constitucional da impessoalidade da pena, ou seja, que a pena não passará da pessoa do preso. Entendendo-se que se o indivíduo era arrimo de família, ao ser preso, sua família perde a fonte do sustento, sendo portanto, penalizada junto com o preso. Nesse sentido, após a prisão e, verificada a manutenção da qualidade de segurado, a família recebe o benefício, que atualmente é calculado com base na média dos 80% maiores salários do período de contribuição do segurado. Ou seja, uma parcela muito pequena da população carcerária tem o perfil para acessar tal benefício. Tão logo seja cumprida a pena, o mesmo é cessado.
A observação de que grande parte dos presos era reincidente, me levou ao seguinte questionamento: O que faz alguém voltar a cometer um crime, mesmo sabendo as condições degradantes do sistema prisional? Então defini meu objeto de pesquisa e constatei que, para além das péssimas condições as quais os reclusos são submetidos durante a pena, eles enfrentam algo ainda pior após a liberdade – O completo abandono por parte do poder público e o ostracismo social.
Não há assistência ao preso após a sua liberdade, no sentido de apoiá-lo nesse processo de reinserção social. Vivemos em um sistema capitalista, onde a sobrevivência está pautada pela venda e compra da força de trabalho. Considerando que a grande maioria da população carcerária é negra ou parada, tem entre 19 e 29 anos, com baixa escolaridade e baixa qualificação profissional, como podemos falar em reinserção no mercado de trabalho? Falar em reinserção pressupõe que em algum momento essas pessoas já estiveram inseridas no mercado de trabalho, o que também não é verdade.  Tal conjuntura aliada ao estigma e ao peso de uma condenação resulta em uma exclusão social potencializada que reconduz o egresso a práticas delituosas, e consequentemente, ao sistema prisional.
A Lei de Execução Penal e o Código Penal Brasileiro, traz em seu arcabouço, a defesa da garantia dos direitos humanos e a perspectiva de reabilitação do preso e sua reinserção social. No entanto, não é isso que observamos em nossas prisões. Os presídios brasileiros são territórios da desumanização. Essa situação é reforçada pela concepção que a sociedade brasileira tem do tratamento que deve ser dispensado aos presos. Ainda impera uma mentalidade medieval e arcaica que reforça a prática de castigos físicos e a aplicação de penas degradantes. Por isso chego a acreditar que, se houvesse uma melhora significativa nas condições gerais dos presídios brasileiros, esta não implicaria necessariamente, em um tratamento melhor, porque a mentalidade de muitos que trabalham no sistema e da sociedade de modo geral, é a de que preso não tem que ter “regalia”. Direitos humanos não é regalia. Direito é direito!
E essa sede de sangue que extravasa de uma sociedade doente e acuada, faz com que voltemos as nossas origens de querer fazer justiça com as próprias mãos. Agora é Olho por olho, dente por dente”. Ou seja, os setores mais conservadores da nossa sociedade clamam pela redução da maioridade penal, pela legalização da venda de armas de fogo e pela implantação de pena capital.  Que país é esse?
O Sistema Prisional Brasileiro desumaniza não somente os detentos, mas seus trabalhadores e a sociedade de modo geral, e apesar de vislumbrar um amplo campo de atuação para o serviço social, optei por limitar a minha contribuição ao meu trabalho de conclusão de curso e à promoção de reflexões, sempre que possível.
Assim como o ministro Eduardo Cardoso, preferiria morrer, a ficar presa, não somente pelas condições do sistema, mas pela privação de liberdade em si, que já é o pior de todos os castigos. A prisão não limita somente o corpo, ela limita a sua humanidade.
A conclusão que chego sempre que penso sobre esse assunto, é que, somos todos prisioneiros, só estamos do lado diferentes da grade.


Débora Garcia

3 comentários:

  1. Oi Débora tudo bem? Gostei da sua análise, beijo!

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  2. Muito bem posicionada, bem colocada. Fez eu refletir sobre esse contexto. Muito bom, Preta!

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  3. Olá, Débora. Conheci seu blog através de minha prima Mônica. Adorei suas colocações sobre esse tema tão banalizado e marginalizado pela sociedade num geral. Acho que estamos realmente ficando mais duros como ser. Lamentavelmente...estamos perdendo o que nós humanos temos de mais bonito: a sensibilidade e o respeito pelos direitos de todos que são humanos e não só dos que pensam ser blindados para o erro.

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